sexta-feira, 5 de junho de 2009

Feliz com a abertura da vida – para coisas novas e maiores. Preocupada, já que enquanto a vida abre, existe um ser, que habita este casco, que me segura e me põe cautelosa demais. Não gosto de ser cautelosa, não “demais”. Por hoje: apenas pensativa. Amanhã também, talvez. Mas no terceiro dia, espero colocar algo como Caroline O´Connor, cantando “anything goes” ou o mais recente (pra mim), Giulia Y Los Tellarini, deliciando “Barcelona” - que por sinal, está virando um clichê gostoso, e sair! Sair deste controle chato que eu ligo de vez em quando. Aliás, como é que se desliga essa coisa mesmo?!

sexta-feira, 29 de maio de 2009

Os que passam e os que ficam.

Outro dia, procurando uma resposta para o porquê de ser mais fácil, eu gostar de artes anteriores a minha geração, cheguei numa conclusão simples: hoje em dia, a maioria dos artistas é uma bosta! A falta de talento e o excesso de “auto-afirmação”, por parte dos “contemporâneos”, dariam pena, se não fosse tão cômico.
Para “ser”, nos dias atuais, basta juntar um grupo de pessoas bacanas, com o implícito acordo: “troca de favores”, comprar um óculos diferente, listar filmes cultuados, músicos polêmicos, dizer que adora tudo isso (mesmo não sendo de verdade), soltar frases complexas sobre pessoas, condutas e valores e pronto! Aí basta criar qualquer porcaria com ar de “sou super foda”, colocar a “obra” em vários sites de relacionamentos, lamber a bunda de qualquer pessoa que faça o mesmo, pôr seus rótulos na descrição desses sites e aguardar os comentários super-lambedores dos amigos “descolados”.
O engraçado é que a maioria se convence de que realmente é alguma coisa, e com isso, acaba por convencer outras pessoas também. Vivem um “glamour” imaginário, não aceitam críticas (mas nunca admitem, lógico, porque se mostrar aberto a discussões é “cult”), e organizam super-acontecimentos com qualquer “peido” que soltam. Sem falar da hipocrisia que é o “cachecol-xadrez” dos nossos “artistas”! Eles passam a imagem de alternativos e independentes, que lutam por todo o tipo de expressão, mas julgam entre si, o que é arte “certa” ou “errada”.
Bom, talvez seja difícil aceitar essas coisas, porque para mim, o conceito “arte” não cabe em maniqueísmos. Ou é arte, ou não é. Simples. Um artista para mim é quem cria porque sente necessidade de expressar coisas sentidas. Qualquer continuidade, de qualquer obra, para um artista de verdade, é uma conseqüência e não uma prioridade. Quem cria só pensando em popularidade ou venda, não cabe em “ser artista”.
E o resultado disso tudo é simples: uma cambada de hipócritas, reproduzindo lixo, se sentindo os mais talentosos e polêmicos do pedaço, sem perceber que enquanto perdem tempo, falando em “ser”, poderiam estar de fato “sendo”.
Claro que, como em outros segmentos, o orgulho ocupa o espaço do bom-senso. O que falta para alguns desses “artistas” é perceber de uma vez que, falta de humildade não traz nada além de porcaria e superficialidade.
Como diria a minha avó: contar com o ovo no cu da galinha nem sempre dá certo.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

O HOMEM QUE COMIA FOTOS – PARTE 9: O TIRO


“Morto???” – gritou Negão. “Como assim morto?!” – completou. “Morto Negão, o que é um morto seu idiota??” – respondeu a cafetina, jogada no chão. “Eu saí do banho, fui ver como ele estava, e ele estava morto!” – gritava e chorava Joana. “Caralho Joana, e agora?” – perguntou nervoso, o amigo. “Some com ele daqui, me deixa sozinha, não aguento mais Negão, eu não aguento mais! Some com ele, tu fez tudo errado seu merda, a culpa é tua! Não faz nada direito!” – dizia Joana aos prantos. Negão enrolou o corpo de Carlos num lençol e saiu.
“Eu não posso dançar com você!” – disse Zé, enquanto acalmava o choro. “Eu não posso ouvir música!” – continuava. “Podemos dançar sem música se você quiser?” – respondeu Sandra. “O que aconteceu com você menina? Há pouco queria sair daqui, estava chorando, e agora queres dançar comigo? Por que?” – perguntava o homem, enquanto levantava do chão. “Não faz perguntas!” – respondia Sandra, ainda muito bêbada – “Vem...não me fala nada!” - Sandra puxou Zé pelo braço. “Você está muito bem, pra um senhor de oitenta e dois anos sabia?” – disse a mulher, enquanto colocava a mão de Zé em seu corpo. “Chega!” – gritou o homem. “Vamos beber, depois dançamos, eu que mando aqui!” – completou, enquanto pegava a garrafa no canto do sofá.
“Saiu pra onde?!” – perguntava Negão para as meninas. “Ela tava triste porra, aonde ela ia se meter essa hora?” – continuava. “Vou atrás dela, eu to com umas paradas aí pra acertar com ela!” – Negão saiu do bordel. “Bom trabalho mulherada, se o Negão voltar, não digam nada, ninguém sabe de mim tão entendendo? Hoje quem vai acertar contas sou eu!” – disse Joana ao sair do quarto, onde estava escondida. “O que ta pegando Joana?” – perguntou Isa, umas das meninas. “Ta pegando não garota, vai pegar! Eu to com um lance engasgado há muito tempo, hoje eu limpo essa porra de mim, é hoje!” – respondeu a cafetina, enquanto escolhia uma roupa para sair.
Hélio estava com frio. O rapaz não queria sair do Sotão, Hélio procurou, entre as velharias que estavam lá guardadas, algo para se cobrir. Ele encontrou uma manta, provavelmente feita por Odete. Hélio voltou a chorar. Abraçado à manta, ficou observando as estrelas, entre as frestas do telhado.
“Então tá rolando festinha na casa do Zé-Bebum” – pensou Joana, enquanto ouvia de longe, as risadas de Sandra e Zé. “Eu vou acabar com a festinha dele!” – disse em voz baixa, enquanto conferia a arma na bolsa.
“Então você era músico?” – perguntou Sandra. “Eu nunca ia imaginar, ainda mais que você disse que não podia ouvir música!” – dizia e enrolava a língua a mulher. “É, eu toquei muito instrumento e cantei muito, a música era a minha vida, mas aí, nasceu meu filho e nunca mais ouvi nenhuma canção, nem toquei, nem cantei, nada!” – explicava o homem, enquanto mexia as cinzas no cinzeiro com o cigarro. “Mas O que aconteceu?” – perguntou Sandra. “Minha mulher era tudo pra mim, e eu fiquei feliz quando ela disse que ia nascer um filho nosso, fiquei feliz mesmo, mas aí, o menino nasceu surdo! Ah! Nunca vou esquecer aquela dor! A minha mulher na época se mostrou mais forte que eu, disse que a gente ia dar jeito, ia saber lidar. Eu vivia de música, você tem idéia do que senti? Meu único filho, surdo?” – continuava Zé. “Mas vocês não tiveram outros filhos?” – perguntou a mulher. “Lembra que eu te disse que minha mulher era estragada? Ts! Então, ficou oca depois que o surdinho nasceu, não podia ter outros filhos, e eu nem ia querer, se um veio surdo, o outro podia vir estragado também, não acha!?” – completou Zé. “Mas e seu filho? Você tem notícias dele?” – continuava interessada, Sandra. “Não, o moleque fugiu quando era criança ainda, uns nove, dez anos ele devia ter na época. Nunca mais eu soube nada. No dia que ele saiu, eu tava arrasado, tinha passado a noite em claro, era véspera de Natal. Quando finalmente consegui dormir e tava descansando, minha mulher me acordou aos berros, dizendo que ele tinha ido embora. Fiquei assustado, mas a culpa foi dela, aquela idiota! Nunca deixava o menino sair, eu dizia: Sofia, deixa o moleque sair, dar uma volta! Mas não, ela era teimosa, e deu no que deu, nunca mais soube dele, e ela ficou neurótica desde aquele dia... transformou minha vida num inferno, e até minutos antes de morrer, me culpou pelo desaparecimento do menino. Ela dizia que eu não tinha dado amor, que eu não tinha dado atenção.” – Zé parou de falar, com os olhos arregalados, olhando para o armário da sala, sem piscar. “Você nunca pensou em ir atrás dele?” – perguntou Sandra. Zé não respondeu. “Vamos mudar de assunto, quer mais um copinho?” – perguntou para Sandra. “Vou no banheiro, serve pra mim que eu já venho! Senhor músico!” – respondeu a mulher, rindo e bamba.
“Esse bosta! Vou acabar com ele!” – pensou Joana, que ouvia tudo, escondida nos fundos da casa de Zé. “É tudo culpa dele! Esse animal!” – continuava pensando – “Se não tivesse botado esse menino no mundo, se não tivesse deixado ele fugir, eu não tava passando por isso, mas eu não vou deixar assim, ele me paga!” – concluiu Joana. “Oi? Quem é você?” – perguntou Sandra ao acender a luz da lavanderia. Joana se assustou, e atirou.
.
.
.
Nota: não existe previsão para a "Parte 10", por favor, respeitem a bagunça deste blog.
O HOMEM QUE COMIA FOTOS - Parte 8: O CHORO


“Bebe!” – disse Zé. “Não quero, obrigada!” – respondeu baixo Sandra. “Mandei beber porra! Bebe!” – gritou o homem. Sandra sentia medo. Sandra estava tonta com tudo que o homem havia dito, a mulher sentia-se como se estivesse com azia. Queria sumir, queria morrer. “Bebe vadia!” – gritava o homem. “Não, por favor, não quero beber!” – respondia com a boca amarga, o estômago apertado. “Se você não beber eu vou te arrebentar! Bebe porra!!!” – insistia Zé. Sandra estava com nojo, queria vomitar no tapete marrom e sumir. “Última vez: Bebe!”. Sandra pegou o copo, trêmula, e deu um gole. “Eu sabia!” – riu o homem – “Agora vamos cantar os parabéns” – completou.
Hélio enterrou Odete com todas as roupas, livros, louças e enfeites da casa. Ficaram os móveis. Gelados e vazios. Hélio subiu a escada de madeira e entrou no sótão. Hélio não queria mais sair. Não queria mais viver. Hélio estava confuso, perdido. Pela primeira vez, estava sozinho. Pela primeira vez, o rapaz não queria mais correr. Enquanto tirava a terra debaixo das unhas, Hélio pensava em Odete e chorava. Lembrava de tudo que ela o ensinou e chorava. Hélio se lembrava do cheiro, da pele fina e murcha, dos olhos fundos. Hélio sentia as mãos de Odete no seu rosto, Hélio a ouvia. Ouvia? Não, ele sabia que não podia ouví-la. Ele sabia que não podia ouvir. Hélio foi tomado por um choro impulsivo. Encostou-se em um baú de madeira, juntou as pernas e encolhido, encharcava as mãos, sujas de terra, com lágrimas grossas e soluços mudos.
“Vou pegar mais uma!” – disse Zé, enquanto tonteava pela casa. Sandra não se sentia bem. A mulher levantou e começou a olhar os móveis velhos e sujos. “Que armário lindo e horrível” – Sandra gargalhava. Estava bêbada. “O quê que tem aqui?” – Gritou a mulher. Zé não ouviu. “Vou abrir heim?!” – ameaçava aos gritos, enquanto enrolava a língua e ria. O armário estava trancado. Sandra chutou a porta e quase caiu. “Tá fazendo o que porra?” – perguntou Zé, enquanto abria a terceira garrafa da noite. “O quê que tem aqui?” – perguntou a mulher ainda risonha. “Não é da tua conta, sua vadia metida! Sai daí e vamos beber!” – disse Zé, também enrolando a língua. “Vamos dançar??” – perguntou Sandra, enquanto se apoiava no sofá. “Eu quero dançar!” – continuava. Zé colocou a garrafa no canto do sofá, sentou no tapete marrom, ficou imóvel por alguns segundos e começou a chorar.
.
.
.
Nota: não existe previsão para a "Parte 9", por favor, respeitem a bagunça deste blog.

domingo, 24 de maio de 2009

O HOMEM QUE COMIA FOTOS - Parte 7: A LÍNGUA

“Cuidado Carlos” - gritou a mulher que sempre gritava. Sandra correu para buscar ajuda. “Quem eram aqueles homens meu Deus?” – pensava a mulher enquanto corria. “O que vão fazer com ele meu Deus?” – “Meu Deus!”.
“Me larga” – implorava Carlos, enquanto se debatia. “Não adianta amigo, guarda tua energia, vais precisar dela” – disse Negão. “Tá aqui Joana, serve esse?”. Joana mostrou todos os dentes amarelos com os olhos brilhando. “Serve Negão! Bom trabalho! Vou te recompensar depois...” – respondeu maliciosa.
Sandra despertou assustada. “Que lugar é esse?” – “Onde está o Carlos?” – pensava a mulher, enquanto observava a sujeira e o cheiro forte da sala cheia de móveis velhos, manchas no sofá e cinzas de cigarro no tapete marrom. “Acordou a bela adormecida então!” – era a voz de Zé. “Quem é o senhor?” – perguntou preocupada. “Cala a boca, não mandei falar” – respondeu agressivo.
Negão estava nervoso. “Mas Joana, e se o cara morrer gata?” – perguntava. “Não vai ser o primeiro e nem o último! Porra Negão, já fizemos pior! Tá velho? Tá esquecendo as coisas, qual que é?” – Respondia cada vez mais irritada. “Eu to esperando muito por este momento, tu sabe que é importante pra mim, faz logo porra!” – continuava Joana.
“Eu tenho oitenta e dois anos” – gargalhou Zé. “Oitenta e dois” – continuava o homem. “O que você tava fazendo na mato menina?” – perguntou. “Já disse senhor, meu amigo está em perigo, eu estava buscando ajuda” – respondeu Sandra. “Eu tenho oitenta e dois anos, a partir de hoje” – falou baixo Zé. “Hoje eu faço oitenta e dois anos, sabe o que significa?” – perguntou. Sandra se calou. “Significa que eu to velho, que eu to sozinho, que eu to fodido” – gargalhou o homem. Sandra continuava calada, com os olhos arregalados e com as mãos trêmulas. “Quem vai cuidar de mim? Aliás, quem cuidou de mim?” – falava Zé, enquanto abria outra garrafa de conhaque. “Minha mulher, que já tá morta, era uma neurótica, estragada! Sabe o que é uma mulher estragada?” – perguntou. “Sabe porra???” – gritou o homem. “Não...” – respondeu Sandra com a voz fraca. “Uma mulher estragada minha filha, é uma mulher que te dá um filho estragado e acaba com a tua vida. Que depois, que o filho vai embora, e também não tinha porque aquele traste continuar aqui, ela estraga a tua vida de novo, te abandona, te chama de culpado. Aquela vadia!” – desabafava Zé. “Uma mulher estragada é aquela que não tá no teu aniversário de oitenta e dois anos, veja bem, OITENTA E DOIS ANOS, para fazer um bolo, para servir o conhaque, para limpar a porra do cinzeiro” – continuava. “Mas agora... agora tá resolvido. Agora você tá aqui, gostosinha, calada, do jeito que eu gosto!” – completou Zé, enquanto alisava a borda do copo com o dedo indicador.
“Joana, o cara tá gritando muito” – se desesperou Negão. “Caralho! Tá sangrando muito! Faz alguma coisa” – dizia aos gritos o amigo da cafetina. “Deve ser normal Negão! Termina essa porra logo” – dizia Joana, sem firmeza na voz. “Anda Negão, anda cara, termina logo” – continuava.
Hélio cavou a terra com as mãos. Com as mesmas mãos que colheu as flores no campo. Hélio chorava. Hélio não entendia. O rapaz passava as mãos sujas de terra, com cheiro de flor, no rosto de Odete. Agora gelado. Agora sem movimento. Hélio observava os traços, sentia a pele emborrachada e áspera. Hélio alisava a sobrancelha fina da mulher que o salvou, da mulher que ele aprendeu a amar, tanto quanto amava a própria mãe. Hélio colocou o corpo frio da velha contra o peito e o apertou. Apertou como se pudesse aquecê-lo de novo, como se pudesse guardá-la. Hélio não conseguia. Hélio sentia o cheiro de Odete e chorava.
”Caralho Joana, essa foi a maior loucura que a gente já fez gata!” – disse Negão, enquanto abraçava a cafetina. “É nego-velho! Tu foi guerreiro meu amigo! To orgulhosa de ti” – disse animada. “Então vem cá vem, vamos comemorar, vamos fazer gostoso vem!” – sugeriu o amigo. “Não Negão, agora não dá, tenho que cuidar do meu novo amiguinho” – disse Joana. “Ah Negão, tu não sabe o quanto eu to feliz! Tá que não é o mesmo, mas o que importa né Negão? Não dá pra ter tudo na vida!” – gargalhava e comemorava a cafetina. “Vai Negão, agora tenho muita coisa pra fazer, volta amanhã falou?” – Negão levantou, abriu a porta e quando ia sair lembrou: - Joana e essa língua? Eu jogo aonde?!
.
.
.
Nota: não existe previsão para a "Parte 8", por favor, respeitem a bagunça deste blog.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

O HOMEM QUE COMIA FOTOS - Parte 6: A MORTE

Depois de muitos anos, Hélio chorou. Depois de muitos anos, Hélio quis morrer. “Por que?” – pensava. Hélio se lembrou dos pais. Lembrou do Natal. Lembrou do bordel. "Por que?" - Hélio se lembrou do relógio-cuco, cor cereja. Hélio lembrou que não podia ouvir. Lembrou que era surdo. Hélio lembrou que sofria. "Por que?" - Hélio lembrou dos ratos-ladrões. Hélio lembrou da foto que guardava no sapato, que não servia mais. “Aqui rapaz!” – sinalizou a velha Odete, enquanto preparava os objetos. “Agora vou te ensinar tudo” – dizia entusiasmada. Odete ensinou tudo. “Agora vou te ensinar tudo que posso” – dizia com os olhos ansiosos. Odete ensinou tudo que pôde.
“Quem é você?” – dizia Sandra. “Por que estou aqui?” – ainda tonta, perguntava a mulher. Zé, que sempre viveu de música, agora vivia de álcool. “Quantos anos você acha que eu tenho menina?” – perguntou Zé. A mulher que sempre gritava, não respondeu. “Responde Vadia!” – insistiu Zé, calmamente, enquanto bebia seu velho conhaque. “Não sei!” – disse enquanto começava a chorar. “Tenho oitenta e dois” – respondeu orgulhoso. “O que quer de mim?” – perguntou Sandra, no meio do choro. Zé fingiu que não ouviu.
“Oi delícia!” – disse Joana enquanto descascava o esmalte das unhas sujas, com os dentes. “Quem é você?” – perguntou aflito Carlos. “Onde está Sandra? O que fizeram com ela?” – Insistia em perguntar o homem que não conseguiu correr. “Ai! Você fala demais meu amor! Fica quieto falou? Não gosto de gente que fala!” – riu irônica, a cafetina. “Negão, traz as paradas lá, não vamos perder tempo” – mandou Joana.
“Quem é o senhor? Pelo amor de Deus, por que eu estou aqui?” – perguntou Sandra, já no final do choro. “Tu fala demais!” – gritou Zé. “Cala a boca porra!” – gritava atordoado. “Eu que tenho que saber que merda você fazia no mato sua vadia!” – falava enquanto cuspia o conhaque. “Eu estava fugindo, meu amigo está em perigo, me deixa ir embora, por favor!” – implorou Sandra. “Cala a boca caralho!” – falou Zé, enquanto jogava a garrafa vazia contra a parede. “Você fala demais mulher, isso me incomoda, fica quieta senão eu te arrebento” – gritava o homem. “Eu tenho oitenta e dois anos” – gargalhou Zé. “Oitenta e dois” – repetia orgulhoso e com dificuldade. Hélio correu como há anos não corria. Hélio se lembrava dos espinhos no pé. Hélio se lembrava dos enfeites de Natal. “Volta rapaz” – dizia Odete enfraquecida. “Não adianta” – dizia a velha como se Hélio pudesse ouvi-la, como se ele não estivesse correndo. Hélio correu até cansar. Hélio correu até não aguentar o peso do próprio corpo. “Volta rapaz, não adianta” – insistia a velha Odete, mesmo sabendo que Hélio não estava perto, mesmo sabendo que ele não a compreenderia. “E aí Negão? Tá esperando o quê?!” – perguntou Joana, entre tosses secas. “Porra Joana, tu acha que é fácil?” – perguntou o amigo da cafetina. “Não quero saber Negão, faz essa merda logo! Senão tu vai se vê comigo!” - ordenou a mulher, enquanto apagava o cigarro num copo de vidro. “Como é que eu vou fazer isso gata? Não sei nem como começar porra!” – lamentava Negão. “Faz como a gente combinou cacete! Tu é retardado Negão? A gente não combinou porra? Então faz!” – sem paciência, Joana gritava.
Hélio acordou com as formigas devorando seus pés. Hélio coçou os braços e as pernas como se quisesse arrancar a própria pele. Hélio coçava os dedos das mãos com os dentes, como se pudesse impedir o choro. Hélio fechou os olhos e começou a caminhar devagar, respirou fundo, trancou o choro. Hélio voltou. Odete estava morta.
.
.
.
Nota: não existe previsão para a "Parte 7", por favor, respeitem a bagunça deste blog.

domingo, 17 de maio de 2009

"Jazzpencando"
“Não. Não quero mais falar” – ela disse. “Sai, não me puxa” – continuou dizendo. “Eu sei, eu só preciso arrancar teu coração e mastigar” – dizia arranhado a voz. “Você sabe que eu sou assim, me aceita”. “Não!”. Enquanto engolia a bola azeda, derrubou o café frio. “Tá tudo sujo, eu sou suja, me aceita!”. “Não!”. A boca tremeu e ela começou a vomitar. Vomitou tudo, principalmente o que nunca existiu. A boca continuava tremendo. “É o choro” – pensava, “quero morrer” – pensava, “me mata” – pensava, “me ama” – pensava. “Não te amo mais” – ela ouvia. “Não te suporto mais!” – ela ouvia. “Me abraça, esquece tudo e me abraça” – implorava, enquanto sentia o estômago enrolar. “Me abraça, transa comigo e me abraça” – pedia, enquanto a pele ficava oleosa. “Me abraça, me come, me mata” – pensava, enquanto a certeza à estrangulava. Com a maquiagem manchada, o nariz pingando e as mãos sujas de café, ela derreteu até o chão, como se estivesse ajoelhada em água morna e morreu, ao som de Lester Young.