sexta-feira, 22 de maio de 2009

O HOMEM QUE COMIA FOTOS - Parte 6: A MORTE

Depois de muitos anos, Hélio chorou. Depois de muitos anos, Hélio quis morrer. “Por que?” – pensava. Hélio se lembrou dos pais. Lembrou do Natal. Lembrou do bordel. "Por que?" - Hélio se lembrou do relógio-cuco, cor cereja. Hélio lembrou que não podia ouvir. Lembrou que era surdo. Hélio lembrou que sofria. "Por que?" - Hélio lembrou dos ratos-ladrões. Hélio lembrou da foto que guardava no sapato, que não servia mais. “Aqui rapaz!” – sinalizou a velha Odete, enquanto preparava os objetos. “Agora vou te ensinar tudo” – dizia entusiasmada. Odete ensinou tudo. “Agora vou te ensinar tudo que posso” – dizia com os olhos ansiosos. Odete ensinou tudo que pôde.
“Quem é você?” – dizia Sandra. “Por que estou aqui?” – ainda tonta, perguntava a mulher. Zé, que sempre viveu de música, agora vivia de álcool. “Quantos anos você acha que eu tenho menina?” – perguntou Zé. A mulher que sempre gritava, não respondeu. “Responde Vadia!” – insistiu Zé, calmamente, enquanto bebia seu velho conhaque. “Não sei!” – disse enquanto começava a chorar. “Tenho oitenta e dois” – respondeu orgulhoso. “O que quer de mim?” – perguntou Sandra, no meio do choro. Zé fingiu que não ouviu.
“Oi delícia!” – disse Joana enquanto descascava o esmalte das unhas sujas, com os dentes. “Quem é você?” – perguntou aflito Carlos. “Onde está Sandra? O que fizeram com ela?” – Insistia em perguntar o homem que não conseguiu correr. “Ai! Você fala demais meu amor! Fica quieto falou? Não gosto de gente que fala!” – riu irônica, a cafetina. “Negão, traz as paradas lá, não vamos perder tempo” – mandou Joana.
“Quem é o senhor? Pelo amor de Deus, por que eu estou aqui?” – perguntou Sandra, já no final do choro. “Tu fala demais!” – gritou Zé. “Cala a boca porra!” – gritava atordoado. “Eu que tenho que saber que merda você fazia no mato sua vadia!” – falava enquanto cuspia o conhaque. “Eu estava fugindo, meu amigo está em perigo, me deixa ir embora, por favor!” – implorou Sandra. “Cala a boca caralho!” – falou Zé, enquanto jogava a garrafa vazia contra a parede. “Você fala demais mulher, isso me incomoda, fica quieta senão eu te arrebento” – gritava o homem. “Eu tenho oitenta e dois anos” – gargalhou Zé. “Oitenta e dois” – repetia orgulhoso e com dificuldade. Hélio correu como há anos não corria. Hélio se lembrava dos espinhos no pé. Hélio se lembrava dos enfeites de Natal. “Volta rapaz” – dizia Odete enfraquecida. “Não adianta” – dizia a velha como se Hélio pudesse ouvi-la, como se ele não estivesse correndo. Hélio correu até cansar. Hélio correu até não aguentar o peso do próprio corpo. “Volta rapaz, não adianta” – insistia a velha Odete, mesmo sabendo que Hélio não estava perto, mesmo sabendo que ele não a compreenderia. “E aí Negão? Tá esperando o quê?!” – perguntou Joana, entre tosses secas. “Porra Joana, tu acha que é fácil?” – perguntou o amigo da cafetina. “Não quero saber Negão, faz essa merda logo! Senão tu vai se vê comigo!” - ordenou a mulher, enquanto apagava o cigarro num copo de vidro. “Como é que eu vou fazer isso gata? Não sei nem como começar porra!” – lamentava Negão. “Faz como a gente combinou cacete! Tu é retardado Negão? A gente não combinou porra? Então faz!” – sem paciência, Joana gritava.
Hélio acordou com as formigas devorando seus pés. Hélio coçou os braços e as pernas como se quisesse arrancar a própria pele. Hélio coçava os dedos das mãos com os dentes, como se pudesse impedir o choro. Hélio fechou os olhos e começou a caminhar devagar, respirou fundo, trancou o choro. Hélio voltou. Odete estava morta.
.
.
.
Nota: não existe previsão para a "Parte 7", por favor, respeitem a bagunça deste blog.

Nenhum comentário: