domingo, 24 de maio de 2009

O HOMEM QUE COMIA FOTOS - Parte 7: A LÍNGUA

“Cuidado Carlos” - gritou a mulher que sempre gritava. Sandra correu para buscar ajuda. “Quem eram aqueles homens meu Deus?” – pensava a mulher enquanto corria. “O que vão fazer com ele meu Deus?” – “Meu Deus!”.
“Me larga” – implorava Carlos, enquanto se debatia. “Não adianta amigo, guarda tua energia, vais precisar dela” – disse Negão. “Tá aqui Joana, serve esse?”. Joana mostrou todos os dentes amarelos com os olhos brilhando. “Serve Negão! Bom trabalho! Vou te recompensar depois...” – respondeu maliciosa.
Sandra despertou assustada. “Que lugar é esse?” – “Onde está o Carlos?” – pensava a mulher, enquanto observava a sujeira e o cheiro forte da sala cheia de móveis velhos, manchas no sofá e cinzas de cigarro no tapete marrom. “Acordou a bela adormecida então!” – era a voz de Zé. “Quem é o senhor?” – perguntou preocupada. “Cala a boca, não mandei falar” – respondeu agressivo.
Negão estava nervoso. “Mas Joana, e se o cara morrer gata?” – perguntava. “Não vai ser o primeiro e nem o último! Porra Negão, já fizemos pior! Tá velho? Tá esquecendo as coisas, qual que é?” – Respondia cada vez mais irritada. “Eu to esperando muito por este momento, tu sabe que é importante pra mim, faz logo porra!” – continuava Joana.
“Eu tenho oitenta e dois anos” – gargalhou Zé. “Oitenta e dois” – continuava o homem. “O que você tava fazendo na mato menina?” – perguntou. “Já disse senhor, meu amigo está em perigo, eu estava buscando ajuda” – respondeu Sandra. “Eu tenho oitenta e dois anos, a partir de hoje” – falou baixo Zé. “Hoje eu faço oitenta e dois anos, sabe o que significa?” – perguntou. Sandra se calou. “Significa que eu to velho, que eu to sozinho, que eu to fodido” – gargalhou o homem. Sandra continuava calada, com os olhos arregalados e com as mãos trêmulas. “Quem vai cuidar de mim? Aliás, quem cuidou de mim?” – falava Zé, enquanto abria outra garrafa de conhaque. “Minha mulher, que já tá morta, era uma neurótica, estragada! Sabe o que é uma mulher estragada?” – perguntou. “Sabe porra???” – gritou o homem. “Não...” – respondeu Sandra com a voz fraca. “Uma mulher estragada minha filha, é uma mulher que te dá um filho estragado e acaba com a tua vida. Que depois, que o filho vai embora, e também não tinha porque aquele traste continuar aqui, ela estraga a tua vida de novo, te abandona, te chama de culpado. Aquela vadia!” – desabafava Zé. “Uma mulher estragada é aquela que não tá no teu aniversário de oitenta e dois anos, veja bem, OITENTA E DOIS ANOS, para fazer um bolo, para servir o conhaque, para limpar a porra do cinzeiro” – continuava. “Mas agora... agora tá resolvido. Agora você tá aqui, gostosinha, calada, do jeito que eu gosto!” – completou Zé, enquanto alisava a borda do copo com o dedo indicador.
“Joana, o cara tá gritando muito” – se desesperou Negão. “Caralho! Tá sangrando muito! Faz alguma coisa” – dizia aos gritos o amigo da cafetina. “Deve ser normal Negão! Termina essa porra logo” – dizia Joana, sem firmeza na voz. “Anda Negão, anda cara, termina logo” – continuava.
Hélio cavou a terra com as mãos. Com as mesmas mãos que colheu as flores no campo. Hélio chorava. Hélio não entendia. O rapaz passava as mãos sujas de terra, com cheiro de flor, no rosto de Odete. Agora gelado. Agora sem movimento. Hélio observava os traços, sentia a pele emborrachada e áspera. Hélio alisava a sobrancelha fina da mulher que o salvou, da mulher que ele aprendeu a amar, tanto quanto amava a própria mãe. Hélio colocou o corpo frio da velha contra o peito e o apertou. Apertou como se pudesse aquecê-lo de novo, como se pudesse guardá-la. Hélio não conseguia. Hélio sentia o cheiro de Odete e chorava.
”Caralho Joana, essa foi a maior loucura que a gente já fez gata!” – disse Negão, enquanto abraçava a cafetina. “É nego-velho! Tu foi guerreiro meu amigo! To orgulhosa de ti” – disse animada. “Então vem cá vem, vamos comemorar, vamos fazer gostoso vem!” – sugeriu o amigo. “Não Negão, agora não dá, tenho que cuidar do meu novo amiguinho” – disse Joana. “Ah Negão, tu não sabe o quanto eu to feliz! Tá que não é o mesmo, mas o que importa né Negão? Não dá pra ter tudo na vida!” – gargalhava e comemorava a cafetina. “Vai Negão, agora tenho muita coisa pra fazer, volta amanhã falou?” – Negão levantou, abriu a porta e quando ia sair lembrou: - Joana e essa língua? Eu jogo aonde?!
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Nota: não existe previsão para a "Parte 8", por favor, respeitem a bagunça deste blog.

Um comentário:

monica disse...

eu gosto quando tu escreve assim, como que "tomada" por uma estória que vem, e vem e no final, fica linda
:)