O HOMEM QUE COMIA FOTOS - PARTE 5: O GRITO
A mulher não parava de gritar: “Dá pra entender que preciso ir ao banheiro urgente!” - dizia já sem paciência. O carro parou. “Aqui?!” queixou-se a mulher que não parava de gritar. “Anda logo, faltam dez horas pra chegarmos, estou cansado, estamos atrasados!” - disse o homem que dirigia. Um posto de gasolina antigo, beira-estrada, com moscas bailarinas recebendo os poucos clientes. Os raros clientes. “Essa porta não fecha” – falou sozinha Sandra, a mulher que não parava de gritar, enquanto abria a calça. “Não tem papel!”, continuava a jovem, enquanto se equilibrava. “Aproveita e completa, por favor!” - disse Carlos, o homem que dirigia, para o velhinho do posto. “Não tem gasolina, a bomba quebrou” – respondeu sem vontade, o velhinho do posto. “Ótimo” – pensou Carlos. “Ótimo” – pensou Sandra, enquanto chacoalhava o corpo, no intuito de eliminar suas últimas gotas de urina. “Estou cansada” – dizia Sandra. “Procura a máquina, veja se está tudo ok” – dizia Carlos. “Já fiz isso mil vezes” – gritava a mulher. “Já vamos chegar” – respondia cansado o homem. “Você disse isso há quatro horas” – insistia em gritar Sandra. “Cala a boca porra! O que você quer que eu faça?” – gritou, desta vez, o homem.
Entre gritos, o casal finalmente chegou. “Está frio aqui” – comentou Sandra. Carlos ficou em silêncio. Carlos caminhou devagar, se ajoelhou e começou a chorar. “Não pode ser verdade” – pensava aos prantos. “Não pode ser” – pensava. “Carlos acorda, o que você tem?” – gritou Sandra enquanto balançava o amigo. “Ãhn?! Não sei, o que aconteceu?” – Respondeu o homem que estava sonhando. “Vamos, já está no horário, temos a trilha toda pela frente” – disse Sandra, desanimada, tentando animá-lo.
Hélio acordou com o cheiro de chá. Hélio acordou assustado. “Calma rapaz, vai ficar tudo bem” - dizia Odete, mesmo sabendo que Hélio não podia compreendê-la. “Tome este chá, estou fazendo comida, tens que comer!” – insistia em falar a velha. Hélio tomou o chá. Hélio estava faminto. Hélio tinha fome e tinha medo. “Venha!” – sinalizou com as mãos Odete. “Temos muito trabalho pela frente!” insistiu em falar, mesmo sabendo que o rapaz não podia ouvi-la. “Vou te ensinar o que posso” – dizia a velha Odete, enquanto passava as mãos pelos cabelos longos de Hélio. “Não vou durar muito, estou velha demais” – continua – “Terás que aprender tudo, para continuares vivo” – finalizou a velha, enquanto disfarçava as lágrimas que há tanto não caíam. Odete separou todos os objetos que conseguiu, vários álbuns de retratos e uma máquina de tirar fotos. Enquanto isso, Hélio admirava no corpo, as roupas costuradas por Odete. “Toma, fiz enquanto dormias” – disse a velha. Hélio admirava o próprio rosto no espelho. Há muito Hélio não se via. Há muito Hélio não usava roupas novas e limpas.
“Cuidado Carlos!” - gritou como nunca, a mulher que sempre gritava. “Corre Sandra, vai buscar ajuda!” – respondeu Carlos com desespero. Sandra correu. Sandra correu como nunca havia corrido. “Quem é você???” - gritou Sandra, “Quem é você???” – gritava aos prantos, Sandra. A mulher que gritava, que sempre gritou, foi calada com um murro na cabeça.
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Nota: não existe previsão para a "Parte 6", por favor, respeitem a bagunça deste blog.
Um comentário:
sim, a primeira estória do outro lado da fronteira. hehehe
saudades, monica
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