quarta-feira, 10 de dezembro de 2008


O HOMEM QUE COMIA FOTOS - Parte 2: A MUDANÇA
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“Não”, ilustrava com o dedo indicador a mãe de Hélio, em resposta ao pedido do filho. Hélio queria sair, apontava para a rua e franzia o rosto. “Ele está há dias sem sair”, disse Zé, enquanto fumava um charuto vagabundo. “Eu sei o que é melhor pra ele!”, respondeu a mulher. Zé calou-se. Há 10 anos Zé havia se calado. Depois que Hélio nasceu, o pai nunca mais tocou, nunca mais cantou. “Quem sabe uma escola especial...”, insistia o homem, “Não Zé, eu já disse que sei o que é melhor pra ele.”, repetia Sofia, enquanto levava Hélio pela mão, em direção ao quarto. Hélio não tinha amigos. Hélio nunca foi à escola. O primeiro filho homem, de Sofia e Zé, se comunicava com poucos gestos, ensinados pela mãe. Zé nunca falava diretamente ao filho. Sofia não queria que Hélio sofresse, e assim, escondia-o em casa, como quem esconde um crime. Mas era "amor", ela pensava todos os dias, antes de fechar os olhos, “é por amor...”, auto iludia-se, a mãe carcereira.
Era véspera de Natal, Sofia acordou só. Zé não dormia à noite. Zé dormia durante o dia. “Vai deitar Zé”, dizia a mulher enquanto recolhia a garrafa de conhaque barato, caída no tapete marrom. “Vai descansar Zé”, insistia Sofia - que já acordava cansada - enquanto esvaziava o cinzeiro de vidro. Zé foi dormir. Sofia foi acordar Hélio, queria a companhia do filho, enquanto começava os preparativos para o almoço. Hélio gostava de assistir a mãe cozinhar. Hélio gostava de "assistir". Sofia derrubou a xícara de achocolatado no chão e gritou. Gritou por onze segundos. Gritou sem lágrimas, por onze, exatos, segundos. Quando parou de gritar, a mãe caiu no chão e chorou, chorou por minutos, chorou por anos. Hélio, seu primeiro filho, único filho, havia sumido. Hélio desapareceu. Hélio, o primeiro filho homem de Zé, foi embora. O pai dormia, enquanto Sofia derretia, em cima do próprio desespero. Zé roncava, enquanto a mãe, afogava a pouca força restante, em lágrimas grossas. Lágrimas que culpavam, lágrimas que condenavam. Procurou por todos os lados. Sacudiu Zé. Ligou para a polícia. “Um menino surdo?”, perguntava o policial, “Ele não sabe andar na rua? Como assim dona?”, a enchia de perguntas, o policial.
Era Natal, não havia Ceia, nem presente. Zé bebia enquanto Sofia, olhava pela janela da sala, como se Hélio fosse aparecer. Olhava em vão, a mãe, que tanto viveu de amor, e hoje, vive de saudade, esperando o filho aparecer. Era Natal. Era o terceiro Natal, desde que Hélio havia partido.
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Nota: não existe previsão para a "Parte 3", por favor, respeitem a bagunça deste blog.

3 comentários:

Ideia em Movimento disse...

Gostei da história. Visual, muito visual. Manda logo pra Continuum... é aé dia 14 dez;););)
abraçosss:):)

Anônimo disse...

História bonita. Esperamos todos.

F. Arteche disse...

Miséria pouca é bobagem! Mas quando é que ele vai começar a comer fotos?