domingo, 14 de dezembro de 2008

O HOMEM QUE COMIA FOTOS – PARTE 3: O BORDEL

A porta abriu e fechou, na mesma velocidade do piscar dos olhos de Hélio. Era o ensopado de todos os dias. Hélio era rápido, já havia se acostumado com os ratos-ladrões. “Comeu tudo mudinho?” Perguntou Joana – a cafetina. “Ah que distração a minha, és surdo!”, ironizava sempre, a mulher de cabelos longos e maltratados. Enquanto Joana retirava o prato do chão de madeira, olhava fixamente para os olhos escuros de Hélio. “Não é que tu virou um homem interessante!”, sorriu maliciosamente, “Pena que tu não ouves e não falas”, insistia a quarentona, “Me lembro bem o dia que aparecestes aqui, eras tão pirralho...” continuava, enquanto segurava o trinco da porta, “Aparecestes na hora errada delícia, não penses que fico feliz em te deixar preso aqui, fico não, ainda mais que és virgem”, a mulher insistia, enquanto hélio a olhava, como se pudesse ouvir, como se pudesse entender. “No começo achei que estavas fingindo surdez, mas faz tantos anos, ninguém aguentaria mudo, tanto tempo”, Hélio levantou. “Não, não, não querido”, ilustrava com o dedo, a mulher que puxou o gatilho naquela noite. “Por ver das dúvidas, continue onde estás... e sobre tua virgindade, logo resolveremos isto, delícia”, fechou a porta enquanto gargalhava e tossia ao mesmo tempo.
Hélio saiu desnorteado por causa do sol. Há dias Hélio não tinha contato com tanta claridade. Sentia-se culpado, sentia-se preso, precisava fugir. Olhou para trás, viu os enfeites de Natal na porta da casa onde vivia. Hélio nunca caminhou tanto. Nunca caminhou tão depressa. Não entendia o que estava fazendo, mas seguia o impulso. Hélio sentia a tristeza do pai, enxergava a amargura da mãe. Precisa ir embora. Hélio precisava partir.
O menino sentiu tanto medo, que não hesitou em pular a única janela aberta. “Vagabunda!” gritou o homem, antes de cair morto no chão de madeira. “O que você está fazendo aqui seu pirralho?” gritou Joana, com os braços sujos de sangue. “Você não podia ter visto, não podia estar aqui seu idiota! Vou ter que te matar seu infeliz!” gritava em desequilíbrio a mulher. Hélio continuou imóvel. “Fala garoto, o que você está fazendo aqui? Como entrou?” questionava em cuspes, enquanto Hélio continuava olhando arregalado.
“Surdo negão?”, perguntou ao comparsa, a dona do bordel, enquanto limpava os braços no tanque. “A cidade toda ta procurando o moleque, ele fugiu hoje de manhã, é filho de Zé-bebum”, esclareceu o homem semi-nú, enquanto tragava um cigarro de filtro vermelho.
Joana não atirou em Hélio. A mulher, que vivia de crimes, lhe deu um quarto e comida. “Não vou te matar, mas já que fugistes, vou te esconder”, falava pausadamente, como se, assim, o menino a compreenderia. “Vai que um dia aprendes a falar e me fodes a vida”, continuava a assassina, “E se fugistes é porque não queres voltar, no final das contas to te ajudando, viu pirralho?”, dizia e repetia a mulher, “estou te ajudando pirralho”, como se assim, ficasse liberta de todo o pecado que carregava no corpo, manchado de tantas mãos, de tantas irregularidades.
“Um menino surdo?”, perguntava o policial, “Ele não sabe andar na rua? Como assim dona?”, enchia de perguntas o policial. “Olha dona, fica calma que teu filho vai voltar assim que ficar com fome, isso é só travessura de moleque!”, dizia o policial, com descaso. “Meu único filho desapareceu moço, como posso ficar calma? Ele é mudo!” chorava ao telefone a mulher, enquanto Zé ainda dormia. “Olha dona... Sofia? É Sofia não é? Eu preciso resolver uma coisa séria agora, acharam um corpo baleado na entrada do bosque e nóis precisa ir lá resolver isso, logo o filho da senhora aparece”. Sofia desligou o telefone e foi escorregando pela poltrona ate cair no chão de joelhos, abaixada, em completo desespero.
Hélio acordou assustado com a noite anterior. Achou que tivesse sonhado tudo que viu, mas o cheiro do perfume barato de Joana, que estava impregnado no quarto, confirmava a realidade para o menino. Hélio não podia sair. Ele continuou preso, sentia-se triste, porém, menos culpado. Hélio que gostava de imaginar, imaginou que pelo menos assim, não atrapalharia mais seu pai, que nunca o tocou direito, nem sua mãe, que já acordava cansada. Hélio fechou os olhos, segurou todo o ar que pode e fez pressão na cabeça. Hélio queria ouvir. Hélio queria ser normal. Hélio acreditava que se fosse normal, poderia voltar para a casa.
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Nota: não existe previsão para a "Parte 4", por favor, respeitem a bagunça deste blog.

3 comentários:

monica disse...

uau. ótima história, forte e faz viajar...
parabéns, beijo.

Ideia em Movimento disse...

Boa história, bem visual:) Saudades Aninhaaaa:):)

tutaméia disse...

Há noites, em que o cheiro de sandalo nos asfixia,fazendo-nos comprimir os olhos até cerrá-los. Lágrimas de desespero ao ouvir silenciar os gritos fracassados daqueles que não dormem...ao amanhecer, um grito ensurdecedor nos arrebata de profundos sonos;
Sem nos esquecermos dos prazeres que nos envolta, assistimos a carne embrutecer ao som de músicas silenciosas. Uma dança, em que a cada ruflar de pés, a poeira levanta, escondendo emcabuladamente qualquer sorriso, capaz de sensibilizar as forças interiores.
Os vermes, crescem, com clareza e enraivecem a cada grito de ordem...gritam para que se construam muros; Mal sabem, que seus dias estão contados...pois há quem baile diferente, há que sussurre gritos contrários para a destruição...um dia...cada verme amanhecerá preso em sua própria porta, e sangrando, não lembrão que atiraram suas chaves ao curso do esgoto, com medo que alguém os tirasse de lá.
os muros, cairão...e todos os vermes dormirão eternamente no inferno.