Pelas caatingas, pelas matas do sertão, a vida corre solta para os animais silvestres, que diante da maldade dos homens, conta com o espírito indomável do Caipora, sempre atento aos caçadores. O Caipora caça as galinhas nas capoeiras, assusta os cães e os cavalos domésticos, sempre protegendo os animais selvagens.João sempre ouvira falar do Caipora, mas nunca acreditou que ele existisse. Tornara-se um exímio caçador de porco do mato. O destemido João decidiu, numa sexta-feira, caçar alguns porcos selvagens para salgar a carne e abastecer a sua dispensa. Tomou da sua espingarda e, à tardinha, quando o sol começava a cair no crepúsculo, pôs-se de tocaia atrás de uma pedra na beira do rio. Atento aos movimentos, João ouviu quando uma vara de queixadas aproximava-se. Quando as queixadas puseram-se a beber água, mais do que depressa João deu três tiros certeiros. Viu cair um a um os porcos do mato que caçara, enquanto os outros fugiam assustados. João estava satisfeito. Aqueles animais eram-lhe suficientes. Orgulhou-se de como estava com uma pontaria cada vez mais precisa, sem errar um tiro.O João já se preparava para retalhar a carne das caças, deixando-lhes só as carcaças, quando se formou um grande remoinho de poeira à sua volta, que lhe cobriu os olhos de terra. No meio do remoinho, o caçador ouviu um barulho de animal a cavalgar. Ouviu gritos e palavras em uma língua estranha. João limpou os olhos, podendo ver que do centro do remoinho surgia um moleque peludo, totalmente nu, sentado em cima de um gigante porco do mato. O moleque trazia uma lança com um grande ferrão na ponta. João ficou quedo, sem poder mover as pernas, paralisadas pelo medo. Aquele estranho moleque só poderia ser o Caipora.O caçador não ousou a olhar de frente tão temida criatura. O Caipora, ao ver os animais mortos, deu um grito ensurdecedor, lançando na mata toda a sua ira. Em seguida tocou com o ferrão uma das queixadas mortas, dizendo-lhe:– Levante! Embrenhe-se na mata!O animal levantou-se e saiu correndo. Repetiu o gesto com outro animal, sucedendo-lhe o mesmo. No terceiro e último porco do mato morto, o Caipora tocou com tanta força o seu ferrão, que este quebrou. A queixada saiu correndo. Irritado, o Caipora olhou para o caçador, dizendo-lhe:– Por sua causa quebrei o ferrão da minha lança. Sorte a sua, pois o próximo que iria tocar com a lança era você, e ao contrário das queixadas, você nunca mais se iria levantar do chão, cairia morto na mata! Não queira estar aqui quando eu consertar o ferrão!Dizendo isto, ele deu um imenso grito, fazendo com que disparasse o porco do mato que ele montava, seguido de outros tantos, por fim, desapareceu dentro da mata. João respirou aliviado. Pegou sua espingarda e partiu.No dia seguinte, João foi visitar o ferreiro do lugar. Antes de começar a relatar a sua história ao amigo, ambos foram surpreendidos por um estranho caboclo, de olhar esgueiro, que despertava pouca confiança. O caboclo dirigiu-se ao ferreiro:– Preciso que conserte este ferrão. – Ordenou. – Tenho muita pressa.João olhou para o ferreiro, como se perguntasse quem era o caboclo. Ao olhar para o ferrão, reconheceu que era o mesmo que o Caipora empunhava na mata. O caboclo era o próprio Caipora, que desencantara. João fez um gesto para ajudar o ferreiro a acender a forja e consertar o ferrão. Então ouviu a voz áspera e irritada do estranho caboclo, que lhe disse:-Não toque no ferrão! Não se esqueça que quando ele estiver consertado, irá disparar sobre aquele que não disparou antes. Quer esperar para ver o ferrão consertado? Então vá embora e nunca mais mate um porco do mato. E nunca conte para ninguém o que você viu!João largou o ferrão quebrado. Não esperou segunda ordem, fugiu dali antes que o caboclo voltasse a ser o Caipora. Desde então, João nunca mais se embrenhou na mata sertaneja atrás das queixadas.
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