terça-feira, 7 de outubro de 2008


E sempre que resolvia falar, ela, que acreditava (ainda) tanto nos outros, sentia-se incompreendida. Não percebiam que a voz grossa e o descaso eram apenas a maquiagem que usava para mostrar força onde só restava a descrença. Não acreditava mais que era capaz, e mostrava excesso de capacidade. Não era capaz de amar, e saía amando sem controle. Não queria mais companhia mas nunca ficava só. Na oposição do real sentido encontrava a máscara que precisava para se sentir pertencente à alguma coisa. Queria dormir horas e horas e acordar em outro corpo. Procurava nos aromas um cheiro novo pra sentir a renovação que os outros tanto afirmavam existir. Fechava os olhos, firme, a fim de enxergar diferente. Mas era sempre o mesmo rosto cansado e o mesmo tênis sujo e rasgado que percebia.
Segurava na mão alheia como quem segura na perna da mãe. Queria pedir socorro mas da boca seca só saíam flexas individualistas. Achou que quando a chuva desse lugar ao sol, as coisas melhorariam. Achou que inventava o sofrimento por não ter equilíbrio para viver feliz. Percebia, mesmo contra a própria vontade, que quanto mais tentava se envolver autenticamente com os que cercavam seu caminho, mais personagens inventava. Foram tantas criações, em tanto tempo e quase vidas, que não sabia mais quem era. Passou a procurar, ignorando a certeza de que a procura era em vão. Se consolou por muito tempo que se perder era o verdadeiro encontro e que a vida bem colocada não traria nada de interessante além da estabilidade. Não queria ser estável, não gostava de se estável. Sempre aos tropeços, envolvida com seus vários retratos, seguiu o caminho que nem sabia se lhe pertencia. Nunca encontrou real sentido, mas descobriu que nunca conseguirá ser foto única, que nunca pertencerá a nada. E o que mais surpreendeu: descobriu que todas as pessoas são exatamente assim. Porém, nem com a nova consciência, conseguiu sentir-se acompanhada.

Um comentário:

ilvintes disse...

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