sexta-feira, 24 de outubro de 2008

FOTOGRAFIA.SOCIAL
.Use.seu.tempo.livre.para.fotografar.
.Use.seu.tempo.livre.para.transformar.
.Transforme.suas.fotografias.
.Fotografe.suas.transformações.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

A mulher estranha

A mulher estranha há dias não saía do quarto. Mas a mulher que há dias não saía do quarto, era assim mesmo, estranha. Os dias estavam chuvosos e através do rádio nos pediam para não sair de casa. Mas há dias a mulher estranha não saía do quarto, e a enchente, que formava-se com a mesma rapidez que o pó, na porta da mulher estranha, era mais importante do que a mulher, que há dias não saía do quarto.

A mulher estranha há dias não saía do quarto. Não que isso preocupasse os outros moradores da pensão barata, da pensão suja e barata, da pensão suja de barata. Mas eles também eram sujos e baratos e notaram, já que há dias não podiam sair de casa, que há dias a mulher estranha não saía do quarto.

A mulher estranha há dias não saía do quarto, porque há dias não sentia-se viva. Há dias, a mulher estranha sentia nos seios o peso de ser mulher e a realidade de ser estranha. O peito petrificado com tanta solidão, deixava a mulher estranha presa na cama.

A mulher estranha há dias não saía da cama. O lençol comido por traças, traçava as pernas da mulher. As manchas de choro e babas sujas de fome, formavam um mosáico triste, formavam o retrato mais bonito da mulher estranha, que há dias não saía da cama, que há dias não saía do quarto.

A mulher estranha, que há dias não saía da cama, que há dias não saía do quarto, era estranha porque gostava do amor, a mulher estranha além de gostar do amor, ainda acreditava nele. A mulher era estranha porque ninguém mais, além dela, gostava do amor, e o que deixava a mulher ainda mais estranha é que ninguém acreditava no amor, além dela.

A mulher estranha, que há dias não saía da cama, que há dias não saía do quarto, além de gostar do amor e acreditar nele, sofria por amor e por isso há dias não saía da cama, há dias não saía do quarto, há dias não sentia-se viva, e há dias não chorava mais.

As manchas do lençol, comido por traças, que traçava as pernas da mulher estranha, que há dias não saía da cama, que há dias não saía do quarto, que gostava do amor, acreditava no amor e sofria por ele, secaram.

A enchente que esperávamos, cresceu mais do que o pó na porta da mulher estranha, que há dias não saía do quarto, e continuávamos ouvindo, através do rádio, que não podíamos sair de casa. E assim, outros percebiam que a mulher estranha há dias não saía do quarto, mas não sabiam que há dias a mulher estranha não saía da cama, que as manchas do lençol, comido por traças, que traçavam as pernas da mulher, haviam secado. Não sabiam que a mulher estranha que gostava do amor e acreditava no amor, sofria por ele e que por isso há dias não saía do quarto, e há dias não chorava mais.

A enchente desceu e só deixou o pó na porta da mulher estranha, que há dias não saía do quarto. Através do rádio, nos diziam que podíamos sair de casa. O sol começou a quebrar a parede de chuva que havia cercado o céu. A mulher estranha continuou traçada pelo lençol comido por traças, com manchas secas.
Mas ninguém mais percebeu que há dias a mulher estranha não saía do quarto, e não sabiam que há dias ela não saía da cama. Nunca ninguém soube que a mulher estranha, que era estranha porque gostava e acreditava, estava sofrendo por amor, e que há dias não chorava mais.

A mulher estranha há anos não saía do quarto, há anos não saía da cama. O lençol foi completamente comido por traças e não traçava mais a perna da mulher. Os seios da mulher petrificaram tanto que viraram pó e o vento do outono limpou o pó da porta e o pó dos seios da mulher estranha que há anos não saía do quarto, que há anos não saía da cama, e que gostava do amor, e além disso, acreditava no amor.

E mesmo sem mancha, sem pó e sem chuva, a mulher estranha, que há anos não saía do quarto, que há anos não saía da cama, que há anos não era notada, que há anos não sentia-se viva, que há anos não conseguia chorar, ainda sofria por ele. A mulher estranha ainda sofria por amor.
A ela, a mulher estranha, deixo minha compaixão.

domingo, 19 de outubro de 2008

FOTOGRAFIA:
É de foto.
É de foto que faço gente,
Que monto bicho,
Que crio terra.
É de foto que embrulho o cheiro
Que encontro o meio
Que enfeito a festa.
É de foto que entrego amor
Que alimento dor
Que acendo vela.
É de foto.

pés de c. de souza


Professor Ditadura.

Professor Ditadura
Deixa eu estudar
Ensina e te cura.

Ei, Professor Ditadura
Um murro no escuro,
Te fura a cintura

Ah, olha pro rio!
Pro pé do moleque,
Adoça a saliva que tanto nos fura.

Ó Professor Ditadura!
As flores não são mais escuras,
A expressão hoje é nua.

Por isso, Professor Ditadura,
Caminhe pra frente e valente!
Que o chão do chinelo,
É o mesmo chão da serpente.


terça-feira, 7 de outubro de 2008


Um dos filmes que eu mais gosto.


E sempre que resolvia falar, ela, que acreditava (ainda) tanto nos outros, sentia-se incompreendida. Não percebiam que a voz grossa e o descaso eram apenas a maquiagem que usava para mostrar força onde só restava a descrença. Não acreditava mais que era capaz, e mostrava excesso de capacidade. Não era capaz de amar, e saía amando sem controle. Não queria mais companhia mas nunca ficava só. Na oposição do real sentido encontrava a máscara que precisava para se sentir pertencente à alguma coisa. Queria dormir horas e horas e acordar em outro corpo. Procurava nos aromas um cheiro novo pra sentir a renovação que os outros tanto afirmavam existir. Fechava os olhos, firme, a fim de enxergar diferente. Mas era sempre o mesmo rosto cansado e o mesmo tênis sujo e rasgado que percebia.
Segurava na mão alheia como quem segura na perna da mãe. Queria pedir socorro mas da boca seca só saíam flexas individualistas. Achou que quando a chuva desse lugar ao sol, as coisas melhorariam. Achou que inventava o sofrimento por não ter equilíbrio para viver feliz. Percebia, mesmo contra a própria vontade, que quanto mais tentava se envolver autenticamente com os que cercavam seu caminho, mais personagens inventava. Foram tantas criações, em tanto tempo e quase vidas, que não sabia mais quem era. Passou a procurar, ignorando a certeza de que a procura era em vão. Se consolou por muito tempo que se perder era o verdadeiro encontro e que a vida bem colocada não traria nada de interessante além da estabilidade. Não queria ser estável, não gostava de se estável. Sempre aos tropeços, envolvida com seus vários retratos, seguiu o caminho que nem sabia se lhe pertencia. Nunca encontrou real sentido, mas descobriu que nunca conseguirá ser foto única, que nunca pertencerá a nada. E o que mais surpreendeu: descobriu que todas as pessoas são exatamente assim. Porém, nem com a nova consciência, conseguiu sentir-se acompanhada.

Lenda: Caipora

Pelas caatingas, pelas matas do sertão, a vida corre solta para os animais silvestres, que diante da maldade dos homens, conta com o espírito indomável do Caipora, sempre atento aos caçadores. O Caipora caça as galinhas nas capoeiras, assusta os cães e os cavalos domésticos, sempre protegendo os animais selvagens.João sempre ouvira falar do Caipora, mas nunca acreditou que ele existisse. Tornara-se um exímio caçador de porco do mato. O destemido João decidiu, numa sexta-feira, caçar alguns porcos selvagens para salgar a carne e abastecer a sua dispensa. Tomou da sua espingarda e, à tardinha, quando o sol começava a cair no crepúsculo, pôs-se de tocaia atrás de uma pedra na beira do rio. Atento aos movimentos, João ouviu quando uma vara de queixadas aproximava-se. Quando as queixadas puseram-se a beber água, mais do que depressa João deu três tiros certeiros. Viu cair um a um os porcos do mato que caçara, enquanto os outros fugiam assustados. João estava satisfeito. Aqueles animais eram-lhe suficientes. Orgulhou-se de como estava com uma pontaria cada vez mais precisa, sem errar um tiro.O João já se preparava para retalhar a carne das caças, deixando-lhes só as carcaças, quando se formou um grande remoinho de poeira à sua volta, que lhe cobriu os olhos de terra. No meio do remoinho, o caçador ouviu um barulho de animal a cavalgar. Ouviu gritos e palavras em uma língua estranha. João limpou os olhos, podendo ver que do centro do remoinho surgia um moleque peludo, totalmente nu, sentado em cima de um gigante porco do mato. O moleque trazia uma lança com um grande ferrão na ponta. João ficou quedo, sem poder mover as pernas, paralisadas pelo medo. Aquele estranho moleque só poderia ser o Caipora.O caçador não ousou a olhar de frente tão temida criatura. O Caipora, ao ver os animais mortos, deu um grito ensurdecedor, lançando na mata toda a sua ira. Em seguida tocou com o ferrão uma das queixadas mortas, dizendo-lhe:– Levante! Embrenhe-se na mata!O animal levantou-se e saiu correndo. Repetiu o gesto com outro animal, sucedendo-lhe o mesmo. No terceiro e último porco do mato morto, o Caipora tocou com tanta força o seu ferrão, que este quebrou. A queixada saiu correndo. Irritado, o Caipora olhou para o caçador, dizendo-lhe:– Por sua causa quebrei o ferrão da minha lança. Sorte a sua, pois o próximo que iria tocar com a lança era você, e ao contrário das queixadas, você nunca mais se iria levantar do chão, cairia morto na mata! Não queira estar aqui quando eu consertar o ferrão!Dizendo isto, ele deu um imenso grito, fazendo com que disparasse o porco do mato que ele montava, seguido de outros tantos, por fim, desapareceu dentro da mata. João respirou aliviado. Pegou sua espingarda e partiu.No dia seguinte, João foi visitar o ferreiro do lugar. Antes de começar a relatar a sua história ao amigo, ambos foram surpreendidos por um estranho caboclo, de olhar esgueiro, que despertava pouca confiança. O caboclo dirigiu-se ao ferreiro:– Preciso que conserte este ferrão. – Ordenou. – Tenho muita pressa.João olhou para o ferreiro, como se perguntasse quem era o caboclo. Ao olhar para o ferrão, reconheceu que era o mesmo que o Caipora empunhava na mata. O caboclo era o próprio Caipora, que desencantara. João fez um gesto para ajudar o ferreiro a acender a forja e consertar o ferrão. Então ouviu a voz áspera e irritada do estranho caboclo, que lhe disse:-Não toque no ferrão! Não se esqueça que quando ele estiver consertado, irá disparar sobre aquele que não disparou antes. Quer esperar para ver o ferrão consertado? Então vá embora e nunca mais mate um porco do mato. E nunca conte para ninguém o que você viu!João largou o ferrão quebrado. Não esperou segunda ordem, fugiu dali antes que o caboclo voltasse a ser o Caipora. Desde então, João nunca mais se embrenhou na mata sertaneja atrás das queixadas.

Eu estava apenas pensando. Tudo bem, nada incomum, mas desta vez eu estava, de fato, apenas pensando. Não me lembro a forma certa, acho que não tinha muitas linhas, um pouco de voz, acredito que voz feminina, de qualquer maneira, era só um pensamento.

Ouvi de longe, passos atrasados, enquanto eu apenas pensava, e uma luz, uma luz laranja com verde limão, que tentava (mas não conseguiu) quebrar meu pensamento.Meu dedo estava doendo, não muito, aliás nem sei se era dor, incomodava um pouco, foi o rótulo do iogurte. Era um pensamento só, por um momento achei que tinha se perdido, ou que eram dois, mas não era. Era um só. Eu estava só pensando.



O que faz pingar é o comodismo.