sábado, 10 de maio de 2008

O Caracol

Os passos lentos e o corpo agitado. Assim voltava para casa, assim voltava para o seu próprio desconforto, com as mãos geladas e o corpo quente. O suor fora de época: febre! Fez da cama um caracol com o corpo e o sufoco. Não controlava os pensamentos, pesados, misturados. Era sol e estava no chão da sala esperando o telefone tocar. Fez da saudade um cigarro e fumou, enquanto esperava o telefone tocar, sem saber que prenderia para sempre no pulmão aquela dor insuportável, sem saber que o telefone não tocaria. Ganhou um novo caminho, perdeu o pai. Saiu distante do arrependimento. Acreditou sem saber que carregava em si toda a condição de ser e sentir o que tanto evitava. Parou de caminhar, parou de falar, entendia o próprio funcionamento, mas não aceitava. No quarto, no seu caracol, abraçava o edredon com a mesma força que abraçaria o pai se pudesse tocá-lo mais uma vez. Tentava abrir os olhos para manter-se viva, sentir-se viva. Passos. Acordou sem saber que estava dormindo. A certeza da febre era a roupa úmida do suor (fora de época). A certeza da própria condição era o aperto no peito. Sabia que não estava errada nas conclusões embaçadas, mas queria, com a mesma força que abraçava o cobertor (como se pudesse tocá-lo mais uma vez), estar. Queria estar errada.

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