quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

O HOMEM QUE COMIA FOTOS – PARTE 4: A VELHA

O bordel estava em festa. Hélio sentia-se pronto. “Porra Joana, sessentão heim gata?” repetia o amigo bêbado da cafetina. Era a hora. Hélio, de fato, estava pronto. “E aquela vez que a gente foi pro Maranhão? Lembra?” - Continuava o amigo bêbado de Joana, enquanto se encharcava de cachaça. “Hoje, vou te transformar em homem” – falou, pausadamente, a cafetina, enquanto soltava a fumaça do cigarro barato no rosto de Hélio. “Hoje, tu descobre o que é gostoso nessa vida, meu filho!” – completava a aniversariante, entre tosses ásperas e risadas sacanas. E Hélio, que não podia ouvir, entendia - pela expressão de Joana - que aconteceria com ele, o que já havia acontecido com tantos outros naquela casa. “Vem cá gostosa!” – o amigo bêbado a puxou pelo braço.
Hélio correu com tanta pressa e medo, que não sentiu os espinhos furarem seus pés. Hélio correu por horas. O suor fez a terra colar em seu rosto. Hélio correu até cair.
“Filho da puta!” – Gritava incontrolável a dona do bordel. “Mudinho filho da puta!” – em prantos, Joana se jogava no chão. “Ele era meu, não podia ter feito essa porra comigo!” – chorava e gritava, ao perceber que Hélio havia partido. “Joana, não podemos ir atrás dele, Hélio correu para o matagal, é perigoso, ele vai voltar, vai sentir fome” – dizia Elô, uma das meninas de Joana, tentando segurar os impulsos da patroa.
Hélio esperou Joana sair do quarto. Pegou a foto de sua mãe, que escondia dentro do sapato que não lhe servia mais, olhou pela última vez o chão de madeira e o prato sujo de sopa. Olhou pela última vez, o buraco dos ratos-ladrões. Pulou para partir, a mesma janela, que vinte anos atrás, pulou para entrar.
Hélio acordou assustado com a água no rosto. “O que faz aqui homem?” – perguntou a velha que usava chapéu. Hélio arregalou os olhos e tentou fugir, mas estava fraco. “Estás fraco, venha comigo” – sugeriu a velha. Hélio sinalizou que não podia ouvir. “Oh, és surdo. Pobre homem!” – lamentou Odete. “Será possível? És o menino surdo que fugiu há anos?” – Hélio não podia compreender. “Claro, só pode ser tu. Agora já és um homem, por onde andastes rapaz, como viestes parar aqui?” – sem entender, Hélio abaixou a cabeça.
A fogueira foi acesa, todos estavam prontos para ver a curandeira morrer. “Bruxa” – gritavam as pessoas. “Queimem a Bruxa” – ordenavam as pessoas. A moça, tão jovem, conseguiu escapar e correu, assim como Hélio, correu até cansar, até cair.
“Eu também já fugi...” – começou a contar sua história, mesmo sabendo que o rapaz não a compreendia. “Sei o que estás sentindo” – insistia em falar, enquanto passava os dedos pelos cabelos longos de Hélio. “Venha!” – sinalizou com as mãos, Odete. “Vou cuidar de ti”. Hélio levantou, encostou os dedos nas rugas grossas, no rosto da velha, e caiu desacordado.

.

.

.

Nota: não existe previsão para a "Parte 5", por favor, respeitem a bagunça deste blog.